Até na guerra contra as baratas te vejo heroína.

Not the girl next door
2 min readFeb 9, 2021

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Foi sexta-feira à noite e aquela guerra contra as baratas trouxe à Rory muitas reflexões.

É comum aparecem baratas durante o verão carioca quando se mora em casa de frente para rua, mas dessa vez, por alguma razão, ter que matar as baratas não foi somente matá-las.

O cenário de abrir o box do banheiro e se deparar com uma barata saindo do ralo é mais do que comum para ela em dezembro/janeiro e esse cenário sempre se acompanhou de uma mulher que, mesmo com medo, ia lá e matava todas as baratas enquanto Rory estava em cima do sofá gritando. Por longos 17 anos, essa luta contou com um parceiro incansável chamado Scooby, um cachorro de raça Cocker Spaniel Inglês de pelo preto que amava caçar as baratas, junto dele aquilo era uma diversão -porém ainda sim muito nojento. Dessa vez, não teve o Scooby para lutar contra os insetos e isso a lembrou de que um acontecimento tão desagradável já lhe proporcionou tantos momentos divertidos nas noites de verão.

Se tranca no quarto, sobe na cama, “Scooby mata ela” ecoando no ouvido dos vizinhos, suor, risos de desespero, insecticida empesteando a casa, chinelo voando e muitos momentos em família.

Sabe a sensação inconsciente de correr perigo e procurar a mãe? Aos 23 anos, te dizem que é necessário lidar sozinha com as frustrações, chamar a mãe sempre é sinal de fraqueza.

“Você precisa aprender a vencer os próprios medos porque daqui um tempo não vai ter mamãe e papai”

O problema é que Rory não venceu o medo de baratas e ela quer chamar sua mãe.

De uns anos para cá, Rory pensava sobre resignificar o que ela vê como mãe. O ser humano é complexo, tem muitas nuances e barreiras, sua mãe não é diferente disso. Sempre foi muito difícil acessá-la e isso já gerou inúmeros desconfortos até ela entender que o sentido está nas pequenas coisas, que ela poderia ler sua mãe muito mais fácil do que ela imaginava. Talvez seja só isso.

Rory imagina o peso de uma gravidez não planejada, a luta diária de tentar não depositar na filha os traumas que teve com sua mãe, traumas esses muito doloridos e impossíveis de serem sarados, de se entender como mulher e também como mãe, conseguir renda para sustentar sua família junto de seu marido, se enxergar como uma mulher, somente como mulher. Uma mulher que nem sabia quem era antes mesmo de gerar outra, mas que teve de desvendar esse mistério sozinha. E ainda sim, mata baratas como ninguém. Eram SEIS dessa vez, ela matou todas por questão de honra, dava pra ver na forma como ela jogava o Baygon.

Foi ali que Rory a viu como heroína e lembrou de tantas vezes que sua mãe foi uma heroína sem nem saber.

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Not the girl next door

“Entro e saio, dentro, é só ensaio” — Paulo Leminski.