Eu gosto de olhar para dentro da casa dos outros.

Not the girl next door
2 min readJan 29, 2021

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É. simples assim. Mas pode ser uma loja de rua pra ver o que os funcionários estão fazendo também, como preferir.

A padaria que provavelmente está naquela esquina a boas décadas, com uma decoração que hoje chamaríamos de vintage, paredes de ladrilhos rosa-bebê, cartazes de promoção anos 80 e um padeiro vestido a caráter sempre faz eu me perder nos pensamentos durante o trajeto da 24 de maio, mas não só a padaria. Eu gosto de olhar para dentro da casa dos outros e entender o que é aquele ambiente.

Quem são aquelas pessoas? Por que ele tem um armário brega cheio de adesivo mal tirado? Será que já deram ração pro gato que tá dormindo na janela? Essa janela não é telada, que desespero.

Essa semana vi uma cena que nunca tinha visto ao olhar para dentro da casa das pessoas, me deparei com a cena de um pai ninando um filho(a) umas oito e pouca da manhã em frente a janela. Eu nunca tive certezas sobre ter filhos, mas por uns dois minutos eu tive muita. A realidade matinal me mostrando o que é ter filhos. Aquele cara não deve ter dormido a noite toda, mas ele estava ali tentando distrair a criança com o passar dos carros, sabe se lá se pelo menos escovou os dentes, mas ele parecia estar tão envolvido naquele momento.

E a cena de dentro da casa dele que ele nunca vai saber que eu vi, me tocou de uma forma tão bonita que fez o calor insustentável do 363 de manhã fosse secundário e olha que para vencer esse cenário… só cariocas moradores da zona norte vão entender. Ou não, geral entende. É foda.

Eu gosto de imaginar como deve ser a rotina daquela funcionária que está arrumando os biscoitos na Casa dos Biscoitos no Centro. Onde ela deve morar? Será que ela demora muito pra chegar? Meu dia acabou de começar, mas pode ser que o dela já começou a muito tempo, e o trabalho? Será que ela gosta dali? Tem amizades que amenizam a rotina pesada?

Durante a madrugada em crises de ansiedade, um das poucas coisas que me acalmam é imaginar o que o porteiro da calçada da frente tá fazendo. Ora, enquanto eu tô aqui sofrendo pela minha existência do outro lado da rua existe uma pessoa ali vivendo a vida dela, acordado a madrugada toda me fazendo companhia nessa insônia, ainda que não saiba. E aí já imagino que às sete horas ele vai sair do turno dele e viver essa vida alternada. Como deve ser dormir de dia e trabalhar de noite? Como ele organiza o tempo pra viver a vida dele? Não sei. Mas sei que de madrugada ele tá sempre lá regando as plantinhas, ligando as luzes dos corredores e em pé debruçado no play. E me acompanhado no silêncio ensurdecedor da madrugada.

É sobre sermos seres que dependem um dos outros, ainda que a gente ou eles não saibam.

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Not the girl next door

“Entro e saio, dentro, é só ensaio” — Paulo Leminski.